Folha adotará ‘presidente’ para se referir a Dilma
A Folha usará “presidente”, e não “presidenta”, para se referir à petista Dilma Rousseff, eleita neste domingo.
Durante a disputa, a coordenação da campanha da petista ensaiou o uso do termo feminino, mas pesquisas internas mostraram que a mudança não tinha um impacto significativo a favor da candidata.
A campanha decidiu usar “presidenta” em comícios, enquanto “presidente” foi reservado para a TV e para discursos para um público mais tradicional.
Em português, as duas formas estão corretas, “mas a feminina é pouco usada”, diz Thaís Nicoleti, consultora de língua portuguesa do Grupo Folha-UOL.
Para Pasquale Cipro Neto, o uso da forma “presidenta” é desnecessário e causa estranheza.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/823593-folha-adotara-presidente-para-se-referir-a-dilma.shtml
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A Folha usará presidente e eu usarei presidenta.
Primeiro, porque o uso da versão unissex da palavra complica a vida dos redatores de títulos, “Dilma é a 1ª presidente MULHER do Brasil”, mais fácil e tuitemente sensato: “Dilma é a 1ª presidentA do Brasil”.
Quanto à pesquisa de impacto, isso tem a ver com a decisão da folha? Se a mudança tivesse impacto comprovado pela equipe de marketing, qual seria a escolha, aquela que beneficia ou aquela que prejudica a imagem da presidenta?
Por fim, Pasquale Cipro Neto solta a pérola “o uso da forma ‘presidenta’ é desnecessário e causa estranheza”. Vamos aos dois argumentos:
1. O uso da forma “presidenta” é desnecessário.
Gostaria de ver uma análise do porquê disso. Que o uso de uma palavra seja desnecessário porque existe uma que é utilizada com mais frequência, eu posso compreender. Assim também, o uso de “homossexualidade” em vez de “homossexualismo” é teoricamente desnecessário. Por outro lado, as escolhas lexicais não se limitam ao campo do significado no dicionário, mas levam em conta um contexto histórico e a carga semântica que as palavras ganham no contexto, independentemente de sua definição no Aurélio. Assim, talvez a palavra “presidenta” seja uma forma melhor de representar um marco histórico na caminhada brasileira rumo à igualdade de direitos e ao gradual desaparecimento do machismo latino-americano.
2. O uso da forma “presidenta” causa estranheza.
A forma “cobradora de ônibus” também me causava estranheza há algum tempo. Para essa afirmação, uma pergunta: a quem a forma ‘presidenta’ causa estranheza? À própria Folha de S.Paulo? – que, se não me engano, publicou a coluna de um de seus blogueiros que criticava o “uso indevido” da língua por Lula quando o presidente se referiu a Dilma como presidenta. Agora não acho mais a coluna, mas uma historinha com jeito de errata: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u725397.shtml
A consultora Thais Nicoleti tem razão: “as duas formas estão corretas, ‘mas a feminina é pouco usada’”. E agora: será que o aumento da freqüência de presidentas não deveria mudar essa situação? Se procurarmos por presidenta na folha online, são encontradas várias referências tanto à Dilma, quanto às outras de outros países (na maioria de agências internacionais). Não seria o caso de ajudar na inserção permanente de uma palavra simpaticamente feminina no vocabulário geral da nação leitora da Folha? Ou, pelo menos, de publicar novamente os argumentos de especialistas que defendem a palavrinha e rebater estes argumentos, em vez de apresentar somente os a favor, como se fossem os únicos?
Maria Helena de Moura Neves, professora do Mackenzie e da Unesp, concorda que não é necessário usar “presidenta”, mas diz que, do ponto de vista da campanha, “faz sentido, porque valoriza o fato de o PT estar lançando uma mulher à Presidência”.
Para Regina Dalcastagnè, professora da UnB, é impossível saber se isso terá impacto eleitoral positivo, mas diz que a questão “é política em sentido amplo, pois marca a presença do feminino e rompe com a uniformização na língua, sempre no masculino”.
Também da UnB, Susana Moreira de Lima diz que “o correto é usar ‘presidenta’, pois é a palavra registrada para designar a mulher que preside”: “A discussão é saudável, porque traz a questão do machismo na linguagem”.
(no link da historinha com jeito de errata)