Erros e Revisão

Fazer a pós em revisão de textos foi a melhor coisa que aconteceu em 2010. Foi ela que me segurou no emprego: nos momentos em que achava que não ia agüentar, tinha que pagar a prestação. Foi ela que iluminou meus sábados e me fez achar luxo os dois dias de fim de semana. Todo meu amor pela pós em revisão de textos da PUC Minas. Luto agora com dois trabalhos atrasados por quase um mês e meio, e com o meu pré-projeto, atrasado uma semana… Pretendo falar sobre os discursos do Lula no artigo de conclusão. Na verdade, sobre a revisão dos discursos para publicação no site da presidência.

O processo de escrivinhação do texto oral é complexo. Não basta só a transcrição, é preciso pontuar. Consertar, colocar os terríveis parêntesis para se referir a termos não referenciados, para acabar com as ambigüidades. Ser maleável com as pronúncias divergentes, com a língua presa. E, acima de tudo, ter paciência com as metáforas. Deve ser complicado publicar um discurso presidencial, na íntegra, acompanhado de versão em áudio. Principalmente quando se tem um presidente que, patrioticamente, desrespeita as gramáticas, aterroriza os gramáticos, e, junto a isso, uma massa elitizada (sic) que acha que sabe português. E o que existe para se saber? Eu não sei.

Ênclise ou próclise. E as intercalações, vou colocar vírgula ou deixar aqui confuso mesmo? E as repetições de termos, estilo ou falta de criatividade? Nada mais chato e burocrático do que um texto que abusa do dicionário de sinônimos e apela para os eufemismos. Maria não é a mulher, a jovem, a filha de, Maria é Maria, seja quantas vezes ela quiser aparecer neste parágrafo, Maria é Maria. Por que estou usando um artigo definido nesta coisa aqui, tão indefinida? E os pronomes demonstrativos dêiticos, anafóricos e os catafóricos? Afinal T ou S? É com SS ou SC? E essa locução adverbial? É curta, é longa, vai vírgula, não vai… O meu erro mais doído, que cometo por aqui e ali, é esquecer-me da segunda ou da primeira vírgula. E o que deveria ser entrevírgulas fica sem lugar, e o sujeito fica separado do verbo, e o verbo, do objeto. Esse me dói, mas saro rapidinho, e deixo ele ali, para quem for me revisar.

Mas eu que não sou louca de falar “não se separa com vírgula a estrutura SVO”, você coloca a vírgula onde quiser. O Bechara tá comigo. Só não pode colocar vírgula depois do último sujeito coordenado e do verbo, e nas aposições especificativas (?), e nas repetições quando não têm efeito superlativamente (?). Daí cai matador, taca a vírgula para assinalar a interrupção de um seguimento natural das idéias e se intercalar um juízo de valor uma reflexão subsidiária. Quem vai discordar?

A ênclise é preferencial à próclise, sendo obrigatória no início das orações. Me bate. Nunca! Primeiro porque, sendo uma ordem, deveria vir no imperativo, e o imperativo de bater, se quem me bate é você, é bata. Depois porque o pronome que não vem depois de palavra negativa tem que vir enclítico né? Me vem depois, Bata-me. (…) Nunca!  Tanto foi a pressão de quem usa a língua que já se pode, ou já tem gente que fala que pode, começar a oração com pronome pessoal do caso oblíquo átono (olha a vírgula ali, no meio da svo, opa, mas é uma intercalação).

Não respeito quem usa tu. Sou mineira e, no meu país, o tu há muito já morreu. As flexões verbais, estou na torcida pela morte delas também (gosto tanto de uma topicalização). Mesmo que isso signifique a morte do meu querido sujeito desinencial: numa revolução, sacrifícios deverão ser feitos… Vamos virar país de primeiro mundo, as repetições não serão condenadas. E não poderemos esconder mais nossos pronomes pessoais do caso reto. Eu vou, você vai, ele vai, nós vai, cês vai, eles vai.

Você sabe o significado de sic? Que legal, eu também. Arrogância a nível de constelação. O sic beira a crueldade no sadismo jornalístico. Sic, eu estou transcrevendo igual você disse/escreveu e sei que você cometeu um desvio da norma padrão aqui.  Rá. Como sou esperto. Enfia o sic no cu. Cú, monossílabos tônicos terminados em U não são acentuados, se meu cú tiver acento, o que eu vou fazer? Mas prefiro cu sem acento mesmo, devo confessar. Acentos, só gosto deles nas proparoxítonas (Como gosto da topicalização). As proparoxítonas são as palavras mais bonitas da língua, construção do Chico Buarque.

O que veio primeiro, a língua ou a gramática? É claro que foi a língua. E, enquanto ela tiver essa vantagem, é a ela que presto meus préstimos.

Obs. O título é um trocadilho com Eros e Repressão, da série: livros que não deveria ter lido na infância.

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