16 de junho de 2012

Expectativa – Grupo Fondazione, da “performance de rua” Lisboa.

O plano para sábado de manhã era levar a gata pra vacinar e tomar alguns dos cafés do circuito de cafeterias, aproveitando para almoçar no Biografias. Queria comer um sanduíche (chamado Croque-Monsieur, se não me engano) que outro dia o namorado de um amigo tinha pedido e era tão bonito, que, desde então, só pensava na próxima oportunidade que teria para comê-lo.

De banho tomado, às 9h48, confiro a programação do FIT e vejo que às 11h00 ia ter um espetáculo sobre o Fernando Pessoa de um grupo italiano na praça da liberdade. Tinha uma hora para levar a gata pra tomar vacina, deixá-la em casa e ir para a praça. Como pretendia fazer todos os trajetos a pé, me apresso para cumprir o cronograma. Gata vacinada e em casa,  chegando na esquininha da praça, confiro  o horário: 10h59. Fico feliz pela pontualidade (doentia) e por não perder o começo do teatro. 

Acompanhando a tendência do pessoal que já estava lá, me assento no meio fio da avenida central da praça.  Mal me acomodo e quase consigo escutar a mensagem inicial do FIT vinda de alguma caixa de som perto do palácio. Pouco depois, todo mundo começa a levantar e o grupo de teatro surge andando nas bicicletas, que todos começam a seguir. Não se passam cinco minutos de perambulação e escuto as primeiras reclamações, “ah! não acredito que vou ter que ficar andando atrás desse bando!”. Identifico a origem do comentário e vocifero mentalmente: eu, na mulambice do tênis de caminhada/calça jeans  estilo arranhador de gato, tenho o direito de reclamar se não quiser ficar perambulando atrás de um bando de artista italiano tocando instrumentos de banda, vestidos com terno e chapéu de outra época; mas vocês, bonitinhas, com shorts jeans, tênis modernos, camisas xadrez largas, batom vermelho e óculos de sol grandes; por favor, façam cara blasé de quem está curtindo muito tudo isso e corroborem com a consistência ideológica do estereótipo desse grupo que alguns chamariam de ‘hipster’.

Me afasto das hipsters preguiçosas e esbarro em dois velhinhos que observavam  o pessoal atravessando os canteiros da praça “essa juventude sem um pingo de respeito, estragando a grama”, resmungavam. Para fugir do tom amargo das reclamações, viro as costas para as bicicletas e  aguardo, pacientemente  sentada num banquinho, que elas retornem ao vão principal – andariam em círculos, dizia o folheto do espetáculo que uma moça tinha acabado de me entregar, então concluí que voltariam. Escuto o velhinho gritando com o  povo: “não pisem na grama! não pisem na grama!”. E não é que o “não pisem na grama” conseguiu fazer o povo não pisar na grama e seguir pelos caminhos calçados? Por falta de expressão mais válida, “paguei pau” pela atitude do velhinho, mesmo sendo partidária do pisar na grama. Defender convicções com ações (e não ficar só resmungando-protestando) é algo que eu respeito.

Contrariando minhas expectativas, o pessoal das bicicletas parou em frente ao museu de minas, e eu tive que me apressar (sem pisar na grama) para ver se conseguia ver alguma coisa. Fora os que se acotovelaram em volta do que deveria ser uma cena e aqueles que tinham preparo físico para se equilibrar nas bordinhas decorativas de algum prédio histórico, o resto não via e/ou ouvia nada (nada mesmo). Mais lamúrias: uma mulher com três cachorros na coleira reclamava que o pessoal poderia sentar, que daí daria pra ver. Quem podia culpar o público? Se sentassem, dali a pouco teriam que levantar de novo e seguir a bicicletada.

Fernando Pessoa de chapéu

Finalmente deu pra ver alguma coisa: soltaram para o céu dois chapéus, presos em balões de gás pretos, que ficaram sobrevoando a praça. Vi também um ator segurando um terceiro chapéu com balões. Se eu tivesse que chutar uma interpretação, falaria que os chapéus deviam ter algo a ver com os heterônimos do Fernando Pessoa. Foi bonito, porque eram balões de gás e porque eram chapéus pretos voando, e só. As bicicletas resolveram andar de novo e eu resolvi continuar encostada no Museu das Minas acompanhando a ascensão dos chapéus. Acredito que o espetáculo devia ser o que era (novamente conferi o folheto para ver o que, de fato, era): uma “performance de rua”. Acho que não devia ter um fio da meada para ser pego. Olhei no relógio, 11h18,  conferi quanto tempo mais duraria:  uma hora de espetáculo, segundo o novamente útil folheto. Resolvi deixar disso e fazer mais do meu dia. E lá fui eu, descer Bahia – não sem antes escutar mais uma reclamação, de uma moça que parecia participar da organização, falando sobre a falta de equipamentos de som.

Teria que enrolar em algum lugar, penso, já que o Biografias, segundo o google, só abriria a partir de meio dia no sábado (estava um tanto incrédula quanto ao fato de ele abrir at all durante a tarde). Aproveitando as opções do caminho, fui ver o de qualé que era do café do Kahlua. Uma amiga de amiga tinha feito críticas terríveis ao que chamou de “café com frutare”, mas a imagem no catálogo do circuito não condizia à crítica, parecendo algo cremoso  com um picolé que estava mais para um Magnum do que para um Frutare. Seria propaganda enganosa?  Estava prestes a descobrir.

Acomodada numa mesa, peço à garçonete pelo café do circuito e ela me explica brevemente do que se trata. Resumindo, era um café com picolé  e tinha opções de sabor para o picolé. A garçonete se demora nos efeitos adversos do picolé de maracujá (os outros eram coco e chocolate). Acho que a ideia era me convencer a não escolhê-lo, mas,  apesar do discurso e da ressonante crítica ao ‘café com frutare’, o que é a vida sem aventura? Café com picolé de maracujá, por favor.  Algum tempo depois,  o que chega à mesa é um copão com café ao fundo e um frutare mergulhado. Tão feio, mas tão feio, que olho de novo a foto do guia só pra ter certeza de que não estava faltando nada. Não estava.

Expectativa X Realidade (divulgação e aqui)

O principal problema, além da estética, era a temperatura que fica morno-frio, nem pra lá, nem pra cá, e também a ausência de misturabilidade (inventando palavras since 85). O café não pega gosto nenhum do maracujá (apesar da insistência da garçonete sobre o sabor “ácido” que eu sentiria durante a experiência – pff). Tomei a mistureba fria aguada no copão pouco charmoso, deixando a metade do picolé que não derreteu pra lá e vou pagar a conta.

Enquanto registra os valores, a moça do caixa pergunta se eu tinha gostado. Me lembro do radical 2/10 que tinha dado pro sabor e do não menos crítico 4/10 para apresentação, no cartãozinho de votação, e me imagino ardendo no inferno se tentasse disfarçar meu descontentamento. Não, não tinha gostado. Não satisfeita, ela pergunta qual picolé tinha sido e porque não tinha gostado. Respondo a essas perguntas também, mas acho que falei muito pra dentro, meio jeca, e ela concordou por educação, apesar de não ter entendido uma só palavra do que eu tinha dito. Saio do Kahlua com um gostinho de culpa por não ter gostado.

Meio dia e dois, Biografias it is. Subo com pouca esperança a escada quebrada do Maletta, já que pontualidade não é um valor muito bem aceito por essas bandas, e estava certa. Nem sinal de que o Biografias abriria. Decido passar pelo Benzadeus e provar o café de lá.

Apesar de ficar do lado da minha casa, nunca tinha ido ao Benzadeus. Assim que mudei para o centro, aconteceu um caso de homofobia e protestos mal-sucedidos por lá. Por princípio, decidi não frequentá-lo, mas abri essa exceção por conta do circuito.  No balcão, pergunto sobre o café do circuito e o atendente, muito solícito (uma solicitude um pouco nervosa, é verdade), me mostra no cardápio o Café & Arte. Penso que deveria perder uns pontinhos de criatividade por ser algo que certamente já constava no cardápio há algum tempo. Observo os salgadinhos em exposição e, guiada mais pelo coração do que pela razão, pergunto se a coxinha espetada era de catupiry. Ele me responde que era de frango com cheddar, eu consinto.

Aguardo sentada na mesa mais perto da saída (algo a ver com a culpa pela heteronormatividade) e o café chega primeiro, seguido da reluzente coxinha. A composição é bem boa: uma taça-caneca de vidro (tem um nome técnico pra isso?) com a mistura de café e conhaque coberto com creme, salpicado por calda de chocolate e espetado por dois pauzinhos de canela. Me divirto misturando as camadas, dou voltinhas e afundo os pauzinhos de canela, mexo o creme com a colher longilínea (não sem derramar um tantinho). A garçonete traz um canudo e acho prudente conferir a temperatura da bebida (até ali não dava para saber se era quente ou fria). Ah! Quente. Ainda assim, não passou dois minutos, nessa minha noção distorcida de tempo, e lá fui eu queimar a língua tentando tomar café & arte de canudinho.  Melhor continuar lambendo a colher de misturar o creme, portanto. Me foge a palavra apropriada para me definir nesses momentos de tão pouca classe. Na terceira colherada, sorrio satisfeita. Um pouquinho de felicidade aquece meu coração . Um observador menos atento poderia atribuir essa felicidade à leve gradação alcoólica do conhaque, mas, para mim, tinha outro nome: canela.

Valeu a pena (e o preço) e apagou o trauma do café com frutare.

Besuntando minhas papilas gustativas com a coxinha, lamentei ter estragado o apetite com um salgado de qualidade obviamente inferior à do sanduíche que, não fosse a saciedade já atingida com duas mordidas da bola de gordura, pediria no Biografias. Suspiro a falta de sensatez, afinal, já não era de hoje que não andava me dando bem com frango desfiado e, além disso, minha relação com cheddar nunca tinha sido das melhores.

Saindo do Benzadeus, decido conferir o que está  acontecendo no Palácio das Artes, principalmente para ver se consigo digerir a coxinha e preparar o estômago para uma experiência boa com o sanduiche dos sonhos – já tão carregado de expectativa que perigava cair no chão antes de chegar na minha boca. Um banner na entrada anunciava uma ópera que estava em cartaz. Enquanto ajeitava minha calça jeans/arranhador de gato, finalmente lembrei a palavra que durante  a manhã de mulambice me havia fugido à mente:

Tosca. E, pela primeira vez em mais de um ano, penso na Desiree, uma colega de faculdade que pronunciava essa palavra de uma maneira bem própria. Sinto um pouco de nostalgia da faculdade e alguma saudade da Desiree. Vou para a exposição da galeria, algo sobre o cotidiano em Belo Horizonte (ou era Minas Gerais?, enfim.). Exposições de fotografias quase nunca me comovem, me diverti com as janelinhas para a rua e com a coleção de carteiras de identidade perdidas achadas,  mas a  única coisa que prendeu minha atenção foi um longo texto construído a partir da omissão de umas partes de outro texto. Era sobre mineração, sobre aquelas fotografias que mostram as serras destruídas. Talvez eu tenha gostado por me identificar naquilo. O texto estava cheio de termos que fazem parte do meu dia a dia, “depósito de rejeitos”, “caminhão fora de estrada”, “escavadeiras”, e eles eram apresentados de uma forma poética. Terminava bonitinho assim: “no que é mais gritante, no que é mais flagrante na paisagem, ou seja, se estamos diante de fotografia de uma região minerada, nada mais é pertinente do que aquilo que se vê no detalhe fotográfico”. Daí, do outro lado, tinha um tanto de fotografia em preto e branco de gente pobre. Preguiça.

Último fragmento do texto e janelinha no reflexo.

Subindo a Bahia, encontro a Desiree, sentada, conversando com o Guilherme, numa pracinha, deja vu do hall da Fafich. Ela me cumprimenta com um sorriso e eu dou um tchauzinho, seguindo meu caminho como se nem fizesse tanto tempo desde a última vez que tínhamos nos visto por acaso na rua e nem fosse uma coincidência eu ter pensado nela instantes antes.

Terminei minha manhã voltando ao Biografias, que, definitivamente, não abre para o almoço.

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