Ele não se lembrava do dia em que se apaixonou pela prima. O mais provável é que tenha sido naquela madrugada no berçário, em que trocaram o primeiro – e cego – olhar.
Quando criança, a brincadeira favorita dela era ensaiar para o circo. Ele fazia o palhaço que a acompanhava enquanto ela, graciosa, saía por último do carro – uma grande caixa de papelão. Então, agradeciam os aplausos imaginários, um pé frente ao outro e braços erguidos, dedilhando o ar.
Ainda bem pequeno, foi assistir ao espetáculo pela primeira vez. O coração pulava de ansiedade pela hora em que a prima apareceria. De tão apreensivo, não conseguiu rir da manada de palhaços de todos os tipos e tamanhos que tropeçavam na saída do minúsculo fusca enfeitado. Depois do último, que saiu com perna de pau e tudo, ela surgiu. Estava vestida como uma princesa e, rodeada pelos engolidores de fogo, reluzia mais do que as tochas.
Ele sacudia as mãos de excitação, e os olhos lacrimejavam de felicidade. Sua mãe, grávida nessa época, apertou-o contra o peito e deteve suas mãozinhas, aplicando-lhe um corretivo qualquer. Quando voltou a olhar para o picadeiro, ela já tinha ido embora. Foi tão triste ter perdido a despedida com os dedinhos no ar que desatou a chorar e teve que ser levado para casa. Nunca mais pôde ver o circo.