Era a primeira e última vez que olharia para o viaduto e o faria com a costumeira melancolia nos olhos azuis e o semblante carregado de rugas escorregadias.”Se essa rua, se essa rua, fosse minha, eu mandava, eu mandava ladrilhar…” Ele cantarolava mentalmente, pendendo a cabeça de um lado para o outro, enquanto o carro oficial estacionava na vaga reservada.
As pedras estavam lá, à sua imagem e semelhança. Como cabe a um funcionário público de seu escalão, conferiu o relógio e suspirou por não estar nas omissas atividades recreativas das horas vagas. Entre uma meia dúzia de apertos de mãos, um velho conhecido lhe disse ao ouvido:
“Você não reparou como tudo parece mais sujo quando se varre algo para debaixo do tapete”. “É a sua consciência”, ele replicou sorrindo, como quem diz “são seus olhos” a um elogio.
O sorriso tornava seu rosto repugnante, não podia ignorar a reação assustada de seus interlocutores a cada vez que acontecia de sorrir. O que ele poderia fazer? Resignou-se e assumiu novamente a melancolia, que, se não era propriamente bonita, pelo menos lhe conferia um ar de autoridade.
Depois de duas ou três fotos, retornou ao carro oficial. Assobiou a melodia infantil pelo caminho de volta e, contente que estava, nem reparou no quanto incomodava.