Aos 15 anos, Charlie começa a contar os acontecimentos da sua vida para um estranho por meio de cartas. Poderia ser um diário, mas Charlie não gosta de diários. O único amigo que ele tinha se matou no ano anterior e, agora que ele está entrando na highschool, quer começar do zero e fazer novas amizades. É acolhido por colegas mais velhos, a Sam e o Patrick e começa a aproveitar a adolescência do jeito que ela deve ser aproveitada, com seus dramas e alegrias, tudo em alta voltagem.
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As primeiras páginas foram bem difíceis. Eu não costumo gostar de livros feitos em formato de cartas e impliquei durante algum tempo com o Charlie. O personagem tem 15 anos e fala como se fosse uma criança de 12. Mas, aos poucos, ele começa a revelar coisas pesadas sobre sua vida (ainda soando como se tivesse 12 anos) e a ler as indicações literárias de seu professor de literatura, que atua como um mentor para ele. Lá pela metade do livro, entrosado com os novos amigos, finalmente ele parece alguém que tem a sua idade e, no final, eu já estava encantada com o amadurecimento rápido e precoce do personagem.
Terminei a leitura com vontade de pegar as listas de música que são citadas para escutar e pretendendo ler os livros recomendados pelo professor – acho que da lista só li o Grande Gatsby e o Estrangeiro. A história se passa em 1991, mas, se fosse depois de 1995, tenho certeza que a trilha seria esta daqui:
No final das contas, acho que esse é um livro que as pessoas devem ler quando tiverem seus quinze anos e depois de novo quando forem adultas. É fácil menosprezar o sentimento dos adolescentes. Quantas vezes nós olhamos pra nossos problemas de vida adulta e pensamos em como a vida era mais fácil quando éramos adolescentes. Mas não era. Nós não fazíamos dramas sem sentido, nós tínhamos problemas reais que doíam como problemas reais e eram pra doer daquele jeito mesmo, não era exagerado.
Acabei me identificando muito com o Charlie e fiquei com insônia no dia em que terminei de ler. Insônia nostálgica, já sentiram isso? Daí fui rever as marcações que tinha feito no livro, e lembrei de algumas histórias da minha passagem da infância para adolescência para vida adulta. Aí vão algumas.
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And I thought that all those little kids are going to grow up someday. And all of those little kids are going to do the things that we do. And they will all kiss someone someday. But for now, sledding is enough. I think it would be great if sledding were always enough, but it isn’t. (p.78)
Na sexta série, eu estudava num colégio que tinha turmas de sexta-série de manhã e de tarde. As meninas da minha turma, da manhã, brigavam com as meninas da tarde por meio de recadinhos escritos em corretivo nas carteiras. Eu sempre fui mais santa, então não rabiscava, mas acompanhava os movimentos. Certo dia, para responder um xingamento, acho que xingaram a gente de “puta”, uma das minhas melhores amigas falou para a que estava com a caneta de corretivo: “chama ela de ninfomaníaca”. Ninguém de nós sabia o que significava, então minha amiga explicou. Hoje ela é formada em Letras, acho coerente.
Na sétima-série, fui a única menina da minha turma a ser trocada de sala. E fui justamente para a turma das meninas que eram da tarde, já que a partir da sétima todo mundo estudava de manhã. A coordenadora do colégio chegou a explicar que era porque eu tinha facilidade em me relacionar com as pessoas, e eu fiquei me perguntando onde ela tinha visto isso em mim, já que sempre me senti meio outsider.
Fiz amizade com uma menina que morava perto do colégio. Ela tinha internet e ficava sozinha em casa, a mãe trabalhava o dia todo. Eu ia com freqüência à casa dela para trabalhos em grupo. Um deles era formado por mim, ela e uns três meninos da turma. Enquanto os meninos ficavam no computador no quarto, procurando pornografia pra ver pela internet discada, nós ligávamos para a linha cruzada – um número gratuito que existia em BH em que cruzavam ligações de homens e mulheres para conversas randômicas. Os caras que atendiam, invariavelmente, falavam sacanagem. Foi numa dessas ligações que aprendi o que era “espanhola” e “candelabro italiano”.
Lembro de um trabalho em que tínhamos que gravar um programa de rádio com a história de um livro, pra aula de português. Estávamos gravando num daqueles aparelhos vermelhos da gradiente, que todo mundo tinha, com o microfoninho. Num dos intervalos do trabalho árduo, eu e essa amiga aproveitamos e gravamos uma das ligações pra linha cruzada. O cara, do outro lado, ouviu o barulho da interferência e começou a acusar a gente de estar com linha grampeada. Desligou. Algum tempo depois, a linha cruzada foi proibida.
No último dia de aula, a nossa professora de português, Socorro, fez uma roda de verdade ou consequência, nela, ela perguntou a diversos alunos o que eles tinham achado do ano, e recebeu algumas críticas. Ao final, eu a ajudei a levar um material de volta para a sala dos professores, e ela me confidenciou como estava surpresa por conta das críticas de uma das alunas, e que ela faria diferente se soubesse que aquela aluna se sentia daquele jeito antes.
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Bob nodded his head. Patrick then said something I don’t think I’ll ever forget: “He’s a wallflower”. (p. 40)
Wallflower – 2. INFORMAL a shy or excluded person at a dance or party, especially a girl without a partner. (verbete no dicionário do kindle)
Na oitava série, mudei de colégio. Mal cheguei e já me meti numa micro-confusão nerd. Eu impliquei com uma colega de sala que era revoltadinha e escrevi uma redação, que acho que li pra turma inteira, sobre rebeldia sem causa, obviamente falando dela. Ela ficou bem zangada e escreveu uma redação de volta, acho que sobre pessoas que julgam sem conhecer, obviamente falando de mim. Escrevi a resposta, e assim foram mais umas duas rodadas.
O melhor amigo dessa menina me apelidou de Darth Vader porque eu falava sempre com as duas mãos em cima da boca e era meio freak mesmo. Ele tentou fazer com que mais pessoas me chamassem daquilo, mas não deu certo. Eu era uma Wallflower, e tinha as vantagens de ser invisível, ninguém ligava o bastante para pegar no meu pé.
Um tempo depois, eu adicionei o menino que tentava me chamar de Darth Vader no ICQ – não sem antes provocá-lo por conta do apelido que ele usava, acho que era ‘hulk’-, e acabamos esquecendo as desavenças. No final do ano ele escreveu a letra de Animal Instinct no meu caderno de geografia e gravou uma mixtape dos Cranberries pra mim (na verdade, nem era tanto uma mixtape, era um disco dos Cranberries que eu tinha pedido, com outras músicas no espaço que sobrou).
No último dia de aula, a nossa professora de português, Laíse, levou livros para dar de presente para alguns alunos especiais e sortear outros pro resto da turma. Eu fui uma ‘aluna especial’ e ganhei uma gramática – que tenho até hoje. Acho que foi nesse mesmo dia que um dos meus colegas de turma subiu na carteira e fez uma declaração a La Sociedade dos Poetas Mortos pra Laíse.
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I Just hope I remember to tell my kids that they are as happy as I look in my old photographs. And I hope that they believe in me. (p.57)
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So I put down the phone, went to the bathroom, and when I came back, she was still talking. (p.137)
Antes de mudar de colégio, eu tinha esse amigo. Ele costumava me ligar todos os dias, e, todos os dias, costumávamos passar muito tempo no telefone. Ele falava muito e eu pouco, não sei se ele era apaixonado por mim, na época eu não achava que fosse. Um dia, deixei o telefone de lado e fui assistir televisão por alguns minutos. Quando voltei, ele ainda estava falando.
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But because things change. And friends leave. And life doesn’t stop for anybody. (p.156)
Tenho um grupo de amigos do colégio da oitava série, em que acabei me formando. Nós ainda nos encontramos, mas cada um foi prum lado diferente na vida. Hoje já tem gente casada, já tem gente grávida, tem gente morando longe. Volta e meia tem um drama de alguém que sente que nós não somos mais amigos, que nós não mantemos contato com tanta freqüência. Mas acho que é isso. As coisas mudam, a vida não pára pra ninguém, mas, ainda assim, encontrando uma vez a cada dois meses, ainda tenho aquela sensação de que ainda posso contar com esse grupo de apoio.
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Sam sat down and started laughing, Patrick started laughing. I started Laughing. And in that moment, I swear we were infinite. (p.42)
Estávamos eu e mais uns três amigos de faculdade na falecida (e ressuscitada) boate UP! , em 2005. Já era aquela hora de fim de festa em que começam a tocar músicas que todo mundo (ou só o DJ) gosta, mas que são mais antigas e que não tem nada a ver com o tema da noite. Soltei gritinhos ao escutar os primeiros acordes de Everlong dos Foo Fighters. Enquanto o David Grohl cantava “If everything could ever feel this real forever” era daquele jeito que eu me sentia. Como se tivesse encontrado um lugar em que eu me sentisse muito bem, pela primeira vez na vida, com amigos que dividiam a mesma sensação. E eu juro que, naquele momento, nós éramos infinitos.
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So, I guess we are who we are for a lot of reasons. And maybe we’ll never know most of them. But even if we don’t have the power to choose where we come from, we can still choose where we go from there. We can still do things. And we can try to feel okay about them. (epílogo)
Eu conhecia essa menina há muito tempo, mas nós nunca tínhamos conversado antes. Numa festa, acabamos nos esbarrando num sofá e engatamos um oversharing-da-depressão. Lembro que concluímos a conversa com exatamente essa frase aí de cima, em português, claro. Eu disse, ela concordou, e me abraçou. Essa foi a última vez que a vi, tempos depois ela se matou.
Charlie, we accept the love we think we deserve (p.27)
(sem estrelinhas desta vez)
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Extra
O filme baseado no livro deve estreiar neste ano! Olha que divertido o trailer:
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Não é pela qualidade literária, nem pela fama do autor, e muito menos pela Emma Watson. Acho que também não é pelo final polêmico e pesado – embora não dê pra negar que ele ajudou, né? Mas é pelo resultado, pela identificação, pela sensação que faz com que a gente saiba exatamente como separar os ‘melhores’ livros dos livros ‘favoritos’.
Confesso que volta e meia me acho ainda bobo por ter gostado tanto do livro, principalmente quando alguém aponta as suas falhas. (E, sim, é meio por isso que procurei suas estrelinhas no final do texto). Mas aí lembro os motivos pelos quais eu mesmo curti tanto. E penso que é assim com os amigos também, né. São bem imperfeitos mas ainda são melhores que o resto todo do mundo.
Acho que a insônia nostálgica valeu a pena.
Pois é, achei que seria injusta ao julgar o livro, se fosse considerar os meus parâmetros. O que foi importante pra mim na leitura não foi a qualidade da literatura, mas eu ter me identificado tanto! dormi acho que duas horas de quarta pra quinta. haha
Bacana este post, TT, só li agora. Fiquei mó curiosa pra saber quem foi a menina que te apelidou de Darth Vader e quem foi o outro que virou seu amigo. Não lembro de nada disso, e olha que já éramos amigas naquela época (se bem que mais em 2000, né?).
Eu quis que esse post não acabasse nunca! Muito legais suas reminiscências…