
deste site aqui
Ontem recebi uma crítica aos textos do blog. Uma pessoa muito querida sugeriu que eu evitasse o uso de parênteses porque ela tinha lido o João Ubaldo Ribeiro falar que os parênteses empobreciam o texto e talz. Pensei um pouco e decidi que não, não vou abolir os parênteses, pelo menos não porque o João Ubaldo Ribeiro said so. Explico.
Como todo e qualquer produto cultural, a escrita sofre influência de correntes teóricas divergentes e de opiniões de autoridades que se espalham na velocidade da luz. Quando estava fazendo meu trabalho de conclusão de curso, que foi um livro-reportagem feito em dupla, uma das primeiras observações que o nosso orientador fez foi com relação aos dois pontos: estávamos ignorando a necessidade de aplicá-los em certas construções (em casos como o desta frase). O meu colega argumentou que tinha certa antipatia pelos dois pontos desde que uma das nossas professoras criticou o uso como sendo pertencente a alguma forma menor de escrita.
Com a delicadeza que seus olhos claros impunham a qualquer crítica, nosso orientador falou: “Tem horas em que os dois pontos não são facultativos. Ou você os coloca, ou muda a estrutura da frase.” Engolimos a crítica e passamos a aplicar os dois pontos com mais liberdade, ainda que com uma pontinha de sentimento de que a nossa literatura era inferior por conta disso (o texto final do nosso livro apresentou alguns deslizes por falta de revisão, mas acredito que os dois pontos não estavam na lista).
Em outra época, posterior ao banimento de “a nível de” e do “corre risco de vida” (inspiração pro nome deste blog, olha só!), foi iniciada a discussão sobre a palavra “através”. Colocaram nela o estigma de que só poderia ser usada em tais situações, em detrimento de outras. Nestas outras situações, era melhor usar o “por meio de”. Inventaram uma lógica tão coerente para essa crítica que acabei adotando o preconceito desde então. Por agora, “através”, só se for para materiais translúcidos (wtf).
Também tem o caso de “logomarca”. Algum teórico desenvolveu uma defesa sobre como era errado falar “logomarca” que “logo” e “marca” eram termos redundantes e blablablá. No entanto, ele não considerou que a palavra antecedia essa crítica em provavelmente um século e a lógica de formação de palavras (por aglutinação, no caso? não sei) na língua portuguesa não segue preceitos do tipo “não é permitido redundância”. Apesar disso, o discurso foi reprisado por milhares de professores das mais diversas disciplinas e todo publicitário recém-formado já tem na ponta da língua uma crítica pro colega menos afortunado que ousa falar logomarca. Neste caso, resisti à imposição da autoridade e falo logomarca sorrindo internamente se percebo um brilho de reprovação no olhar do interlocutor: “olha que burra que ela é, não sabe que usar logomarca é errado” (pfff). Às vezes, é preciso se rebelar contra o sistema.
Voltando aos parênteses, eu os uso sabendo que vou quebrar o fluxo de leitura. Essa é a minha intenção nos textos opinativos do blog porque, na teoria, quero que meus textos espelhem minha forma segmentada e esquizofrênica de desenvolver uma ideia. Fora isso, os textos teoricamente são curtos (ok… ok… poderiam ser mais) então, espero que não perca o leitor por uma meia dúzia de soluços filosóficos. Nos meus textos literários, tento evitar ao máximo o uso de parênteses exatamente por conta da fluidez e para estimular a leitura de um bloco maior de conteúdo.
Há quem defenda os mais elegantes travessões para substituir os parênteses. Eu, particularmente (também tem um movimento pela abolição do redundante particularmente, cuidado!), apesar de preferi-los nos textos de ficção, sempre tenho a sensação de que interrupções longas com travessões ficam mais confusas do que as com parênteses. No final das contas, deve ser uma questão de estética da anorexia, as retinhas esmilinguidas travessonas versus os côncavo-convexos bolados dos parênteses.
Daí que já tinha escrito o post até aqui e fui consultar o texto do João Ubaldo Ribeiro em que ele criticava os parênteses. Para minha surpresa, ele só faz observações masoquistas a cada vez que abusa do recurso, em diferentes colunas. Olha só nesta, que fofura:
(perdão por estes novos parênteses, sei que são chatos e sinal de má escrita, mas é somente uma coisinha rápida: alguma entidade malévola me sugeriu escrever “obsoletibilizado”, mas segurei a mão a tempo – deve ser porque, não faz muito, ouvi entrevistados na televisão dizendo “proporcionabiliza” e “originalizou”, esse negócio pega) Daqui
Aposto que foi uma crítica da professora da primeira série que ficou enraizada no Joãozinho. Vamos ver o que a gramática fala sobre nosso réu (vou transcrever trechos da versão da nova gramática do português contemporâneo, 5ª edição, 2008 – Celso Cunha e Lindley Cintra que foi a mais objetiva):
Empregam-se os parênteses para intercalar num texto qualquer indicação acessória, por exemplo:
Uma explicação dada ou uma circunstância mencionada incidentemente;
Uma reflexão, um comentário à margem do que se afirma;
Uma nota emocional, expressa geralmente em forma exclamativa ou interrogativa. (p. 679)
Quanto ao travessão ele explicita que serve, dentre outras coisas, para: “isolar, num contexto, palavras ou frases. Neste caso, em que desempenha função análoga à dos parênteses, usa-se geralmente o travessão duplo” (p.682 odeio “grifos meus”) – por travessão duplo entende-se usar dois travessões um pra abrir o termo e outro pra fechar, exceto no caso em que a coisa termina com ponto final, como aqui.
Adoro como em toda gramática eles salpicam tudo com advérbios modalizadores, tipo o “geralmente…”, que relativizam a situação. Pra você ver que nada é completamente errado ou completamente certo. E que vale a pena desconfiar de toda autoridade que quer impor um “é proibido”, porque, na verdade, tudo se resume a escolhas conscientes da língua. Vamos deixar de absorver preconceitos que não são nossos!
Conheço bem esses vigilantes do “logomarca”. Sempre cruéis, indiscretos e donos da verdade. Dá vontade de citar a Wikipédia – “a expressão (logotipo) costuma ser confundida com o termo logomarca, que, embora tido como correto pela linguística é considerado por designers profissionais e acadêmicos um neologismo impreciso e incorreto” – mas aí aparecem os vigilantes das referências bibliográficas.
hahaha, vigilantes das referências bibliográficas, ótimo isso.