A vista aérea, meu primeiro contato com a França, foi uma das coisas mais bonitas que já vi na vida. Do avião, enxergava os campos bem diagramados em quadradinhos que ocupavam tudo, riozinhos e laguinhos aqui e ali brilhando e todos os verdes do mundo reunidos numa planície enorme. Fiquei feliz feito uma criança de estar sentada na janela, com os olhos bem abertos e o nariz quase encostado no vidro.
Eu estava há uns vinte minutos viajando na paisagem, quando o comandante do avião anunciou o pouso. Engraçado que na ida Belo Horizonte-Lisboa, enquanto escutava o comandante português dar as instruções em inglês, fiquei um pouco envergonhada. Todos os comandantes brasileiros que já tinha escutado falavam num inglês tão macarrônico, enquanto aquele portuga falava tudo tão claramente que achei que fosse coisa de terceiro mundo esse inglês pra inglês ver. Mas, depois de escutar o inglês do comandante francês, me tranqüilizei, estávamos juntos no enrolation.
Sem muita turbulência, chegava em Paris. Uma vez na zona do Euro, acabava-se a burocracia de imigração, então, eu e minha mochila surrada que já estávamos no terceiro destino por lá, saímos rapidinho do desembarque para a zona de confluência aeropórtica de Orly. Assim como em Lisboa, naquele primeiro contato com os estrangeiros locais, não me sentia tão longe do Brasil. Lembrei de uma amiga minha que comparava a saída da França, com todo mundo bonito e arrumado à chegada no Brasil, aquela bagunça. Ainda não tinha percebido nada de mais classudo no pessoal europeu. Devia ser a crise, suspirei.
Apesar de nenhuma elegância a mais, havia uma diferença por lá: nos grandes grupos de pessoas, dava pra saber exatamente quem era quem, etnicamente falando. Tinha os grupinhos de muçulmanos com as mulheres de lenço, os africanos negros e mais coloridos e o loiro-moreno-aguado-casaco-preto dos nativos e turistas europeus. Eu estava munida do meu casaco de 19 euros recém-comprado, brancão, estilo esquiador, com aquela simulação de pele no capuz. Me sentia mais turistona do que nunca e, afinal, era o que eu era naquele pit-stop de 3 dias em Paris.
Tinha anotado um único caminho para o hostel: do aeroporto, ia pegar um trem, um RER, um metrô e chegaria em no máximo 40 minutos no meu quartinho, que provavelmente dividiria com mais nove pessoas. Num passo lento e assobioso, da mais tranquila felicidade, eu procurava uma sinalização de metrô quando fui empurrada bruscamente. Policiais munidos de escopetas começavam a formar uma linha que impedia a passagem do pessoal na parte em que aparentemente era a entrada para o trem. Um grupo que estava recuando me atropelou. Por aquele centésimo de segundo, achei que não poderia sair do aeroporto e que iam começar a revistar todo mundo pra procurar drogas ou bombas.
Enquanto mais coleguinhas fardados se achegavam, rodei pelo sentido contrário até achar um posto de informação que, sem informar porque tinham fechado as outras saídas, me mandou para um ponto de ônibus onde reclamantes franceses e afins resmungavam a interdição do metrô. Entrei numa confusa fila do guichê dos tickets e aguardei pela minha vez na disputada janelinha. Para o vendedor com aparência rodoviária, pedi informações sobre como chegar a alguma estação de metrô. Enquanto ele me explicava em inglês quase entendível algo a ver com um dos ônibus que parava ali, um senhor se colocou à minha frente e, estendendo o dinheiro, pediu um ticket. O vendedor entregou o ticket e o troco e estava prestes a retomar a explicação quando tocou o telefone do guichê. Depois de escutar atentamente o outro lado da ligação, ele saiu do guichê pela portinhola e, com muita segurança, se pôs em pé em cima de um dos banco do ponto de ônibus e começou a falar instruções em francês para o povo, deviam ser umas trinta pessoas.
Ao final das instruções, a multidão começou a se locomover em conjunto, e eu e mais dois gatos pingados ficamos olhando com cara de não-francofônicos para o vendedor. Ele iniciou a explicação no inglês de antes. Direcionando-se a mim, gesticulou algumas direções e falou algo que entendi como se fosse uma pergunta do tipo “então, você vai pegar tal linha do metrô?” ao que eu respondi, impaciente, “não sei, eu vou?!”; então, ele também se impacientou bem-humoradamente, “Sim! Eu estou falando que você vai pegar tal linha de metrô!”, respondeu, soltando uma risada. Ok. Thank you, mercy. Ah, esse inglês com sotaque francês que sempre parece uma eterna pergunta.
Com quase nada do que tinha sido dito deveras entendido, resolvi por conta própria ir na direção do pessoal do ponto. Todos subiam uma longa escada e entravam num metrozinho legal à beça, que passava por cima dos lugares, todo de vidro e tecnológico. Fui uma das últimas a entrar e a porta do vagão, já lotado para padrões europeus, fechou. Começo a notar que o povo está pagando numa maquininha. Eu não tinha um ticket e o negócio estava em movimento. Com uma ponta de desespero cívico, pergunto a um dos passageiros como fazia para pagar. Ele me tranquiliza: a linha interna ao aeroporto era gratuita (a que ia de um lado pro outro do Orly e para mais um terminal de não sei o quê). A partir de um ponto é que começava a ser necessário pagar. Como eu não entendi qual era o tal do ponto, e muito menos sabia pra onde eu estava indo, desci na primeira parada, que era a outra parte do aeroporto.
Nisso, meu cálculo de 40 minutos para chegar ao hostel já tinha se esgotado, e eu lembrei que tinha informado minha hora de chegada e eles falaram que, no caso de atraso, era para ligar avisando, senão a reserva seria cancelada. Tentei usar um dos telefones públicos do aeroporto, que, obviamente, não estava funcionando. Decidi não me preocupar, chegaria na hora que fosse chegar, se tivesse vaga, ótimo, se não tivesse, eu me preocuparia lá com o que fazer.
Quase desiludida, avisto um quiosque de informações turísticas e vou tentar a sorte mais uma vez. Uma moça me atende com o melhor inglês até então e fala que tenho que pegar um Orlybus até a estação de Denfert Rochereau, e que o ponto era logo ali, e se eu não queria aproveitar para comprar o passe geral para metrôs e ônibus, para a quantidade de dias que eu fosse passar em Paris. Ufa. Enfim found in translation! Era exatamente o que eu queria, um passe para os três dias que iria ficar lá. Era bem caro, mas valia muito a pena (metrô em Paris é um absurdo). Quase deu para comprar um ingresso pro Louvre, mas a impressora do guichê estava sem tinta, então teria que deixar para a próxima.
Feliz, fui até o ponto em que o Orlybus passava e pude conferir, com uma ponta de resignação, o meu ônibus acabando de ir embora. Tomara que o próximo passe rápido, suspirei.