A Vitória chegou e tinha ido no show do Oasis no Rio de Janeiro nas férias. Cara. O show do Oasis, a Vitória era muito legal. A gente ficava sentada no intervalo da aula, eu e a Vitória e mais a Clara e a Ana, amontoadas no corredor, no chão, com as pernas de comprido. Engraçado como eu sempre imaginei o Rio como uma grande praia, então, a Vitória estava no show, nos ombros do pai dela e tinha o palco, e, depois do palco, estava a praia. Os olhos da Vitória brilhavam, o cabelo estava molhado de suor, porque estava quente, muito quente, e eu acho que não tinha mais ninguém no show, só ela. E o pai dela, e o irmão dela.
A Vitória era legal desde o começo do ano, quando torceu o nariz para minha pasta, que era daquelas pastas com plásticos para guardar as circulares e os exercícios. Acontece que a minha pasta era rosa, com o desenho dos pés de uma bailarina entrecruzados no meio de um coração, de um rosa mais forte, “é coisa de criança”, e ela tirou da mochila (company azul, como a minha) a pasta dela, que era preta com um adesivo da Atrevida colado. A minha era coisa de criança, e eu fiquei olhando para a pasta preta, com o adesivo meio prateado, meio descolando na pontinha, e querendo que a minha pasta fosse daquele jeito.
Ela achava o Chorão do Charlie Brown gato, sei lá. Eu não. Mas achava graça quando, na volta do recreio, ela falava que não acharia o cabelo dele engraçado, e que tinha lido na revista que a música era inspirada numa ex-namorada. E que o sonho dela era tirar o boné dele e passar a mão. Então eu pensava na Vitória, nos dedos da Vitória embolados no cabelo do Chorão. Se acabava o assunto, ela cantava Sobre o Tempo baixinho, e eu não entendia a parte do zune um novo sedã, e acho que ela entendia, pelo menos cantava como se entendesse. Fui eu que contei pra Vitória que o Johnny Quest ia mudar de nome, por conta de problemas com os direitos do desenho. Jota Quest, será que cola? Sei lá, ela desinteressou.
Teve olimpíadas do colégio e a Vitória estava numa rodinha de violão, encostada do lado de fora, na grade da quadra. Eu estava sozinha. Fui pra lá, pra junto dela, e escutei pela primeira vez a Faroeste Caboclo. O menino do violão, que era mais velho, cantou os quase dez minutos, e a Vitória sabia a maior parte também. Pedi para cantarem de novo, e depois, só mais uma vez. Não passou um mês e eu tinha comprado o músicas para acampamento nas lojas americanas do BH. A minha faixa preferida ficou sendo a 8, do primeiro disco.
Quando entrei numa onda Alanis Morissette, acho que desencanei de ser como a Vitória. No fundo do ônibus da excursão pra chácara do colégio, eu beijei o Vicente por vinte segundos no jogo de verdade ou consequência e foi a última vez que quis brincar daquilo. A Vitória roubou o meu cd da Alanis na excursão. Eu tinha levado o discman, o jagged little pill e o músicas para acampamento, ela escutou comigo. Voltei sem o jagged little pill. Acho que não foi por maldade. Era a Vitória e ela era legal demais para a escola.