Depois de terminar de ler o livro sobre a vida pessoal de filósofos, fui à cozinha preparar meu almoço: butter paneer masala de micro-ondas e arroz branco (também feito no micro-ondas, aliás). Estar na Índia há quase um ano me leva a loucuras como comprar essas comidas prontas, que vêm numa embalagem meio espacial, não precisam ser conservadas na geladeira e, para comer, é só esquentar – ou seja, têm gosto horrível. Enquanto o arroz não ficava pronto, vi que a capa do colchão que tinha lavado no dia anterior tinha secado, então, retirei o lençol e iniciei a árdua tarefa de recolocar a capa – sabia que se não a colocasse naquele momento nunca mais ela retornaria ao seu lugar de direito. O colchão, apesar de muito fino, parece pesar toneladas. Arrumei a cama novamente e, ligeiramente sem ar, pude escutar o bipe que anunciava que o arroz estava pronto.
Ao dar a primeira garfada na gororoba, lembrei que no dia anterior tinha estabelecido um propósito para o domingo: terminar de escrever um livro e publicá-lo na Amazon. Recapitulei todas as atividades que tinha realizado durante a manhã no lugar disso: além do almoço de micro-ondas e de terminar de ler o livro dos filósofos, ainda tinha enrolado durante duas horas na cama, passado pano úmido no quarto e lavado a bancada da cozinha.
Neste momento, minha colega de apartamento, que trabalhava compenetrada na mesa da sala enquanto eu fazia caretas pro prato de comida ruim e pra minha procrastinação, perguntou se a internet estava funcionando. Lembrei que não e que, além de todas as atividades listadas, eu ainda tinha tentado baixar um aplicativo para o meu celular sem sucesso – no dia anterior tinha completado as fases gratuitas do joguinho que simula esquiação no gelo e estava animada a pagar as 160 rúpias pelo restante, mas a internet não colaborou.
Entrar no Facebook e checar meus e-mails a cada cinco minutos é minha atividade de procrastinação número 1, seguida pelo súbito (e raro) acesso de organização – a bancada da cozinha e o chão do quarto agradeciam a falta de internet, brilhando. Pelo andar da carruagem e o preço atrativo do joguinho, estava prestes a arranjar mais uma distração, antes de começar a tarefa que eu mesma tinha me incumbido.
Enchi um copo com o suco industrializado que cheirava a conservantes e câncer, e, nos primeiros goles, pensei na resolução da virada do ano: não beber refrigerante. Não estava nem na terceira semana do novo ano e já tinha desistido. Naquele momento, só bebia o líquido sabor manga porque estava na promoção quando tinha ido ao supermercado me encher de chocolates. E a preguiça me impedia de ir à banquinha da esquina buscar algo mais gaseificado. A substituição era tampouco mais saudável, a quantidade de açúcar no suco parecia extrapolar meu limite diário de calorias e animar a provável turminha de cáries que fazia um dente doer – preciso marcar o dentista, era o pensamento intercalado com os goles. Faz uns quatro meses que preciso marcar o dentista pensamento seguinte: que bom que tem chocolate pra sobremesa.
Depois que os escassos cubinhos de paneer (uma espécie de queijo minas sem sal da Índia, utilizado numa variedade imensa de pratos vegetarianos gordurosos) acabaram, desisti de terminar a mistura de arroz e caldo de massala e me conformei com a ideia de que provavelmente teria que desperdiçar metade da comida – fazendo o cálculo mental de quantas crianças se alimentariam com o que eu tinha desperdiçado numa semana, e estavam passando fome logo ali, a uns quinhentos metros da minha casa. Para contornar o peso na consciência, dei mais algumas garfadas, mas a cenoura e a beterraba que apodreciam na gaveta da geladeira não teriam mais salvação, suspirei.
A cada ida ao supermercado me proponho a uma vida mais saudável que, invariavelmente, se transforma em vegetais podres desperdiçados. A minha pirâmide alimentar atual é formada por uma grande base de macarrão instantâneo, seguida por parcelas menores de pizza e coca cola. Claro, sempre tem uma razão completamente plausível pra reincidir no crime: meu último argumento era a falta de um liquidificador para fazer sucos naturais. Porque obviamente, se tivesse um, já estaria até correndo uma maratona por dia – e lá se vai a minha meta do ano retrasado de correr uma maratona em cinco anos, que, a essa altura, já se transformaram em quatro.
Quando desisti do resto do arroz, me sentei no chão do quarto resolvida a iniciar minha obra e, em vez de escrever meu futuramente muito bem sucedido livro sobre uma prostituta serial killer cujo roteiro já está praticamente pronto na minha cabeça, ou terminar a aventura épica de adolescentes com superpoderes – melhor que harry potter –, resolvi elaborar sobre um assunto sobre o qual tenho mais domínio: autossabotagem.
Seu texto é muito engraçado hahaha
A procrastinação (a qual estou me dedicando nesse momento rsrs), as promessas de ano novo e o refrigerante tomado indiscriminadamente são parte da minha vida também!