Mulher menstrua

Os absorventes daqui da Índia são mais finos do que no Brasil, porém, bem maiores em extensão. Uma coisa compensa a outra e a qualidade fica elas por elas. Absorventes internos são mais difíceis de serem encontrados, mas existem. Em todo caso, as mulheres também menstruam azul, ufa.

Letras pequenas: Representação criativa baseada em pesquisa com 99% do mercado de absorventes (??)

Letras pequenas: visualização “criativa” baseada em pesquisa com 99% do mercado de absorventes (??)

Eu costumava ter raiva dessa propaganda acima.  Ela passava antes de quase todo vídeo que eu assistia, me mostrando quão grande era o Whisper Ultra Night (assista aqui). Tinha raiva porque foi com ela que percebi que o Youtube só exibia propaganda de absorvente, sabão em pó ou produtos de beleza, por eu ser mulher e/ou estar assistindo conteúdos “femininos”. Para você que pensou “no Brasil não é diferente”, posso dizer com propriedade, é diferente sim. Temos um longo caminho pela frente, mas estamos a anos luz da realidade daqui.

Passei um bom tempo com birra do tal Whispers Ultra Night, até que veio a propaganda abaixo:

Fiquei com a pulga atrás da orelha, desconfiada de que era algo mágico, então li este artigo para entender completamente o que significava o “pote de conserva”.  Acontece que a menina da propaganda está quebrando sorridente vários tabus locais relacionados à menstruação: 1. Ela encosta no pote de conserva; 2. Ela sai de casa!; 3. Ela está com uma calça branca; 4. Ela corre e pratica esportes. Ao final, vemos a torcida com mulheres mais velhas e a mensagem é clara: a mudança começa com as gerações jovens, mas é uma vitória do desejo reprimido de gerações anteriores.

Lembrei daquela matéria sobre o cara no interior da Índia que fez uma máquina de absorventes (ler aqui). Na época, comentei com um amigo que o tom da matéria estava um pouco exagerado.  A questão da higiene pode ter melhorado com os absorventes – o que já é muita coisa, já que 70% das doenças reprodutivas por aqui são causadas por má higiene menstrual (como aprendi na mesma matéria). Mas não muda a cultura de esconder a mulher menstruada, o que faz com que meninas deixem de ir à escola*. Isso tem raízes em crenças religiosas e costumes arraigados, replicados até em classes mais ricas e com alta escolaridade.

Agora estão na segunda fase da campanha do picles, que é sutil, matadora e emocionante, incentivando as mulheres a compartilharem o “my touch the pickle moment”:

“Mas é só uma propaganda”

Deixa eu dar um exemplo do poder de uma propaganda: acredito que, pelo fato de homens sem camisa serem sexy demais para serem exibidos a qualquer hora na TV, as propagandas de desodorante por aqui mostram homens vestidos passando o spray por cima da roupa. Então, como você acha que indianos passam desodorante? Isso mesmo, por cima da roupa. Acho que isso é geral em qualquer lugar do mundo – não o desodorante por cima da roupa, mas ser influenciado tão diretamente pela TV. Mas, pelo fato de eu estar excluída dessa cultura – nem TV eu tenho – consigo perceber as nuances (snif snif) mais claramente.

desodorante

Refrescante.

Acredito que, por conta de “apenas uma propaganda”, mais meninas vão “tocar o picles” (/pun), e, ainda que não mude a vida de todas, sou grata ao pessoal da Whisper por essas.

* Nota adicional: uma política bem legal aqui na Índia é que a educação fundamental é gratuita para meninas e paga para os meninos. Assim, legal não pela parte dos meninos terem que pagar, mas pelo incentivo para que as meninas estudem – se não fosse isso, muitas famílias não investiriam na educação das meninas, deixando só os homens irem para a escola. Apesar de que, nesta matéria aqui falam que não há fiscalização e que muitas escolas não obedecem a lei. Ai, ai ai…

2 comentários sobre “Mulher menstrua

  1. Igor Rodrigues (@rodriguesigor) disse:

    História real. Fiquei sabendo que uma amiga de família hindu se “deu de presente” de 24 anos uma visita ao ginecologista (a primeira). Fiquei me perguntando se seria comum ir tão tarde ao especialista e resolvi tirar a dúvida com o pessoal do trabalho que eu tinha mais intimidade. Bom, aparentemente esse não era um assunto que eu pudesse perguntar, porque a única resposta que encontrei foi “isso não é assunto que se converse”. Perguntei então se havia uma idade média pra isso e a resposta foi “não sei, não costumamos falar sobre isso”.

    Minha impressão final foi que a doença deve comer solta na Índia.

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