2014 – O ano em que perdi o gosto por despedidas


Em 2014, fiz a mesma grande viagem, ida e volta, três vezes. Por três vezes fui da Índia ao Brasil e, por outras três, fui do Brasil para a Índia. Eu virei minha própria piada de novela da Glória Perez, Mumbai é o meu Marrocos, minha casa de veraneio, meu Caminho das Índias.

Primeiro Ato

A primeira volta ao Brasil foi planejada, durante o carnaval, para visitar a família e alguns clientes. Por um erro de cálculo do RH da minha empresa, voltei para a Índia no que deveria ser a ‘janela’ para o pedido de extensão do visto, quinze dias antes que ele vencesse. Só não esperavam que o meu visto não pudesse ser estendido.

Quando fui informada que o visto não seria estendido e que não havia alternativa a não ser voltar para o Brasil, meu mundo caiu. Eu não tinha muita coisa na Índia, mas tinha o essencial – um plano. Que envolvia mais seis meses de trabalho e empenho. “Não faz sentido!” a voz saiu quase gritada na discussão com o chefe. O trabalho de meio período a distância no Brasil que ele me propunha não era uma opção viável para mim. Precisava de um tempo para pensar, disse com a voz embargada. Antes que as lágrimas rolassem sem controle, corri para o banheiro e chorei sentada no chão frio do cubículo sanitário.

Na madrugada desse mesmo dia, meu ex-chefe do Brasil perguntou como andavam as coisas e falei sobre a possibilidade de voltar por um tempo. Ele me ofereceu uma vaga num projeto, o que fez meu mundo ganhar mais perspectiva: de fome não morreria. Mais calma, escrevi o e-mail para o chefe da Índia, dizendo que poderia trabalhar meio período do Brasil – diga ao povo que fico!

Segundo Ato

Faltavam 5 dias para que meu visto vencesse de vez, mas o RH ainda não havia desistido da improvável extensão. No último dia de legalidade, pela manhã, eu estava no escritório de registro de estrangeiros, com meio quilo de documentos, tentando a sorte. Novamente um não. Nos 40 minutos da viagem de volta de trem urbano – o registro de estrangeiros é tão longe – tentei absorver ao máximo a paisagem de favelas a beira da ferrovia, os saris coloridos das mulheres pobres esvoaçando pela porta sempre aberta, o mantra do vendedor de bugigangas para cabelos. Pensei que poderia ser a última chance de ver aquilo tudo.

Duas da tarde e ainda juntava e distribuía as minhas coisas, não podia deixar nada para buscar depois, para o caso de não voltar. A passagem de avião, somente ida, foi confirmada para a uma da manhã do dia seguinte ao vencimento do visto, eu deveria fazer a imigração antes da meia noite. Fui. Fiz.

A viagem é dolorida, fisicamente dolorida, são 30 horas entre um ponto e outro. Na ida, com os fusos a favor, chego no mesmo dia. Na volta, demoro três dias para chegar e mais uma semana e meia para me adaptar ao novo (velho?) horário. A conexão final da chegada, entre São Paulo e Belo Horizonte funciona como um portal para a realidade “real”. A partir dela, a Índia parece um sonho sonhado, de muitas cores e pouca consistência.

Terceiro Ato

Consegui um novo visto e, dois meses depois de voltar para o Brasil, embarcava, teimosa, para a Índia. Cheguei com as chuvas de monção. A despedida do Brasil foi mais dolorida dessa vez e por algum tempo parecia inacabada – a saudade e sentimento de culpa por deixar o sobrinho eram enormes. As crianças ensopadas pedindo esmola e carregando bebês por entre os carros em movimento me incomodavam como nunca antes. O quarto do novo apartamento era terrivelmente quente. Os primeiros dois meses de volta foram azedos, com um pensamento fixo em voltar. Mas as perspectivas de avanço profissional reacenderam alguma paixão que havia, e resolvi, mais uma vez, ficar. E ficar mais.

E foi assim que, cinco meses depois da segunda viagem, voltei mais uma vez, dessa vez por quinze dias, para mudar o “status” do visto para algo mais permanente. Agora, na teoria, posso ficar por 3 anos aqui. A despedida se transformou em rotina.

Termino 2014 com a sensação de que, no final das contas, não viajei para lugar nenhum, aquela regra física de cálculo de deslocamento, sabe? Tantas voltas para o mesmo lugar. Fui anestesiada por essas idas e vindas enormes. De saldo, já posso dar pitaco sobre a Ethiopian Airlines, South African e sou quase expert em Emirates. Ganhei tantas milhas quanto possíveis. O mundo está cada vez menor. Perdi o gosto por despedidas. Meu projeto 2015 em diante é ser feliz viajar de classe executiva.

Um comentário sobre “2014 – O ano em que perdi o gosto por despedidas

Deixe um comentário

Faça o login usando um destes métodos para comentar:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s